segunda-feira, 2 de fevereiro de 2009

O País Relativo

País por conhecer, por escrever, por ler...
País purista a prosear bonito, a versejar tão chique e tão pudico, enquanto a língua portuguesa se vai rindo, galhofeira, comigo.
País que me pede livros andejantes com o dedo, hirto, a correr as estantes.
País engravatado todo o ano e a assoar-se na gravata por engano.
País onde qualquer palerma diz, a afastar do busílis o nariz:- Não, não é para mim este país!

Mas quem é que baquestica sem lavar o sovaco que lhe dá o ar?
Entrincheiram-se, hostis, os mil narizes que há neste país.
País do cibinho mastigado devagarinho.
País amador do rapapé, do meter butes e do parlapié, que se espaneja, cobertas as miúdas, e as desleixa quando já ventrudas.
O incrível país da minha tia, trémulo de bondade e de alegria.
Moroso país da surda cólera, do repente que se quer feliz.
Já sabemos, país, que és um homenzinho...
País tunante que diz que passa a vida a meter entre parêmtesis a cedilha.
A damisela passeiano país da alcateia, tão exterior a si mesma que não é senão a fome com que este país a come.
País do eufemismo, à morte dia a dia pergunta mesureiro: - Como vai a vida?
País dos gigantones que passeiam a importância e o papelão, inaugurando esguichos no engonçodo gesto de nuvens ideia!
Corre, boleada, pelo azul, a frota de nuvens pelo país.
País desconfiado a reolhar por cima dum ombro que, com razão, duvida.
Este país, enquanto se alivia, manda-nos à mãe, à irmã, à tia, a nós e à tirania sem perder tempo nem caligrafia.
Nesta mosquitomaquia que é a vida, ó país, que parece comprida!
A Santa Paciência, país, a tua padroeira, já perde a paciência à nossa cabeceira.
País pobrete e nada alegrete, baú fechado com um aloquete, que entre dois sudários não contém senão a triste maçã do coração.
Que Santa Suplicanta nos confortena má vida, país, na boa morte!
País das troncas e de longas ao telefone com mil cavilhas para cada nome.
Da ramona, país, que de viagens tens, tão contrafeito...
Embezerra, país, que bem mereces, prepara, no mutismo, teus efes e teus erres.
Desaninhada a perdiz, não a discutas, país!

Espirra-lhe a morte pra cima com os dois canos do nariz!
Um país maluco de andorinhast esourando as nossas cabecinhas de enfermiços meninos, roda-viva em que entrássemos de corpo e alegria!
Estrela trepa, trepa pelo vento fagueiro e ao país que te espreita, vê lá se o vês inteiro.
Hexágono de papel que o meu pai pôs no ar, já o passo a meu filho, cansado de o olhar...
No suma pau seboso da terceira, contigo viajei, ó país por lavar, aturei-te o arroto, o pivete, a coceira, a conversa pancrácia e o jeito alvar.
Senhor do meu nariz, franzi-te a sobrancelha;entornado de sono, resvalaste pra mim. Mas também me ofereceste a cordial botelha, empinada que foi, tal e qual clarim!


Alexandre O'Neill, "Feira Cabisbaixa", 1965

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