sexta-feira, 29 de maio de 2009

O quiosque

Há dias, notei que o cansaço era muito. As coisas vão acontecendo em nós e nem sempre percebemos os motivos do que dizemos querer ser ou fazer. À medida que este sol português vai ficando cada vez mais brilhante, as recordações dos Verões felizes afloram, e com elas, ressentimos os momentos de ingénuo deleite que nos deixam estarrecidos, outra vez.
Peguei no telemóvel para ver as horas, era mais cedo do que calculava e mais tarde do que desejava. Quase instintivamente, contrariei o caminho de todos os dias e segui a direcção contrária. Encontrei-me na praça da estação, de onde antigamente, bem de manhãzinha, partia para a escola. Foi então que reparei no quiosque da praça.

Mesmo junto à saída da estação estava aquele quiosque amarelo. Olhei para ele com uma estranha sensação de simultânea estranheza e proximidade. Foi como se confiasse a alguém uma caixinha de segredos e, querendo-os recuperar, percebesse que esse alguém os deixou envelhecer. Os segredos não deviam envelhecer. Eu guardo os meus em gavetas perfumadas com saquinhos de alfazema e, de quando em vez, abro-as devagarinho para voltar a sentir o sabor da saudade que sinto cá dentro. Por vezes, fecho os olhos e deixo que esses eternos meninos me perfumem, cheiram ao que fui.

O quiosque é de um amarelo cada vez mais velho, porque é do tempo em que nós tínhamos tempo. Quando eu era pequenina, todos tínhamos relógios, todos tínhamos sorrisos, todos tínhamos tempo. Agora os dias são dos velhinhos que se sentam, ritualmente, em torno do quiosque, nos bancos do jardim. Foi a primeira vez que os vi ali sentados e desta vez pareciam esperar alguém. Um deles, de olhar triste, ensalivava a ponta do polegar a cada vez que virava uma folha de jornal.

Ali estava eu, parada, sem motivo, no meio da multidão que acabara de chegar, pareciam fantasmas reais a deambular velozmente em várias direcções. Estonteei. Os meus sentidos indiscretos fixaram-se num pequeno grupo de jovens, impacientes, à espera de mais uma droga que lhes possua a vida até ao fim. Com surpresa, reconheci um rosto. Era como eu, uma menina com quem tinha encontro marcado todas as manhãs. Daquele quiosque, partíamos juntas em direcção à escola, lendo as últimas notícias dos nossos ídolos. Será que os meninos de agora ainda têm ídolos? Será que ela ainda tem ídolos? O que a faz correr para o quiosque deixou, há muito, de ser a vontade de gastar a semanada numa overdose de chiclets. Agora, enche-se de vazios amargos que a devoram.

Sem temor, avancei na sua direcção com a certeza de que a determinação me saberia indicar a melhor maneira de recuperar uma velha amiga para a vida. Figuraram-se mil frases, mil imagens e mil gestos diante de mim. Respirei profundamente. Talvez não volte ao quiosque que nos viu crescer.


Mónica Cunha

quinta-feira, 23 de abril de 2009

Figos frescos
Quem sempre foi comedido a comer nunca soube o que é uma comida, nunca a conheceu a fundo. Desse modo conhece-se, quando muito, o prazer de comer, mas não a gula, o desvio da estrada plana do apetite, que conduz à selva da glutonice. Na glutonice juntam-se as duas coisas: a desmedida do desejo e a uniformidade daquilo que o sacia. Comer como um animal significa: de uma vez, sem deixar resto. Não há dúvida de que assim se chega ao mais fundo da coisa devorada do que pelo prazer de comer. Como quandpo se dá uma dentada na mortadela como se fosse um pão, como quando nos enfronhamos no melão como numa almofada, (...) ou esquecemos pura e simplesmente tudo o mais que neste mundo é comestível diante de uma bola de queijo flamengo. Como tive eu pela primeira vez uma experiência destas? Foi antes de uma decisão das mais difíceis. Tinha uma carta que, ou metia no correio, ou rasgava. Andava com ela no bolso há dois dias, mas nas últimas horas deixara de pensar nisso. (...) Eu segui vagarosamente o meu caminho, atordoado, quando dei com um carro cheio de figos, à sombra. Foi por puro ócio que me aproximei, foi por esbanjamento que comprei, por uns quantos soldi, um quarto de quilo. (...) Assim saí dali com figos nos bolsos das calças e do casaco, figos em ambas as mãos estendidas, figos na boca. Não podia parar de comer, tinha de procurar defender-me o mais depressa possível daquela massa de frutos rijos que me tinham assaltado. Mas aquilo já não era comida, era um banho, de tal modo o aroma resinoso me penetrava na roupa, se me pegava às mãos, enchia o ar através do qual eu ia arrastando o meu fardo. E a seguir veio o desfiladeiro do paladar, no qual, depois de vencidos o fastio e o enjoo, as últimas curvas, a vista se abre sobre uma inesperada paisagem do palato: uma maré de gula, insípida, contínua, esverdeada, que já só conhece as ondas fibrosas e pastosas da polpa dos frutos abertos, a transformação total do prazer em hábito, de hábito em vício. Senti subir em mim um ódio contra aqueles figos; tinha pressa em acabar com aquilo, libertar-me, afastar de mim aquelas coisas gordas que rebentavam, e comia para as destruir. A dentada tinha recuperado a sua mais remota vontade. Quan do arranquei do fundo do bolso oúltimo figo, a carta estava pegada a ele. O seu destino estava traçado, também ela tinha de ser sacrificada à grande limpeza: peguei nela e rasguei-a em mil pedaços.
Walter Benjamin

terça-feira, 21 de abril de 2009

Inscrição

Eu vi a luz em um país perdido.
A minha alma é lânguida e inerme.
Oh! Quem pudesse deslizar sem ruído!
No chão sumir-se, como faz um verme...


Camilo Pessanha

domingo, 12 de abril de 2009

4 de Abril, Centro Cultural Vila flôr (Guimarães)



Assim foi o concerto de apresentação do novo disco de Pedro Moutinho, "Um copo de sol", em Guimarães.

O público teve, ainda, o prazer de ouvir e ver a participação especial da Teresinha numa desgarrada de fado.

Foi uma noite de céu estrelado :D



quinta-feira, 2 de abril de 2009

Paris ao rubro!

Paris é indiscutivelmente fantástica!

Lá vivi momentos que nunca na vida esquecerei. E dizendo isto, não penso em excentricidades, recordo mesmo as coisas simples. Ai como era bom ir ao mercado nas manhãs de domingo e voltar com uma baguete quentinha já trincada a meio do caminho, passear ao fim da tarde pelo jardin du Luxembourg, descer a Boulevard Saint Michel, parar para respirar em frente a Notre Dame, seguir rumo a Châtelet e quando era hora, voltar para casa naquele RER cheio de gente apressada e de turistas felizes.

Guardo esta cidade com muito carinho, bem dentro do coração. Um ano das nossas vidas é tanto mas ao mesmo tempo...tão pouco. Talvez seja por isso que, sempre que posso, volto. E volto porque lá ficaram amigos, porque lá ficaram os sítios, porque lá ficaram... as memórias trouxe-as comigo, porque por mais que as partilhe, continuarão a ser só minhas.

Desta última vez, tive o prazer de partilhar alguns desses momentos com uma amiga e...já agora, aproveitámos para viver outros novos e só nossos, também. Até Paris ganhou encanto por receber la belle Cátia. Divertimo-nos muiiiito porque quando nos juntamos deixamos de lado as aparências e passamos a ser cúmplices neste jogo do contentamento.
Aqui ficam algumas das fotos que consideramos mais aceitáveis porque, apesar de tudo, ainda temos uma imagem a defender ;)
Mónica Cunha


















Teresinha é nome de fado!




Uma menina amorosa, cheia de talento, que com apenas 13 anos faz brilhar os olhos de quem a ouve cantar o fado.




quarta-feira, 11 de março de 2009






«A un portugués que lloraba
preguntaron la ocasión
Respondió que el corason
y que namorado estaba.
Por minorar su dolor,
le preguntaron de quién?
Respondió: - Pues de ninguén
lloro de puro amor.»



Lope de Vega
N.B. Este poema foi transcrito conforme o original, sem actualizações linguísticas.

sexta-feira, 27 de fevereiro de 2009

Notre soirée chez "Le China"
Adeline Moreau

Emmanuelle Cadoret



Assortiment Dim Sum





Enfin...les belles au toillete! On s´amuse...!

terça-feira, 24 de fevereiro de 2009

quinta-feira, 19 de fevereiro de 2009

terça-feira, 17 de fevereiro de 2009



AURORA



A poesia não é voz – é uma inflexão.
Dizer, diz tudo a prosa.
No verso nada se acrescenta a nada,
somente um jeito impalpável dá figura
ao sonho da cada um, a expectativa
das formas por achar. No verso nasce
à palavra uma verdade que não acha
entre os escombros da prosa o seu caminho.
E aos homens um sentido que não há
nos gestos nem nas coisas:

voo sem pássaro dentro.


Adolfo Casais Monteiro

domingo, 15 de fevereiro de 2009

Dia de S. Valentim @ Sintra



domingo, 8 de fevereiro de 2009

Fábrica Braço de Prata
(Sala Eduardo Prado Coelho)
Fado com Hélder Moutinho e convidados todos os sábados pela noite dentro... acompanhados por um magnífico elenco de jovens músicos que "são muiiiito melhores do que qualquer jukebox". ;)



sexta-feira, 6 de fevereiro de 2009

TrEmOrEs nO pEiTo


Tremores no peito,
o pó sufocante das trincheiras,
estrondos de alma que perfuram os tímpanos,
destes que combatemos na sombra.
Já não há dia, nem noite, somos o boneco que está sem ser.
Quero voltar, sumir talvez.
Mas esta ânsia de pátria é mais alta, dou de mim ser saber quem sou afinal.
Eles dizem saber de tudo, esses que não sabem o que é o inferno da guerra, que de gravata jogam as nossas vidas com politiquismos sem sentido.
A glória é deles, desses grandes que nem sabem o cheiro desta terra que é já nossa e nunca será deles, nem de ninguém.
Que glória inglória a deles e a nossa.
É um jogo de marionetas em que não adivinho o final, nem quero saber.
Faz-se fogo, morre o inimigo, morreremos nós também.
Não tenho mais força para arrastar o cadáver que sou agora.
Talvez nunca mais vos veja.
Bastava apenas sentir o calor dos vossos abraços, um único instante.
O tempo aqui não passa.
Não quero morrer.



Mónica Cunha

quinta-feira, 5 de fevereiro de 2009

Fado com Pedro Moutinho na Taverna dos Trovadores

"Pois foi um verdadeiro sucesso a Noite de Fado, no passado Sábado, na Taverna dos Trovadores.


Lá fora um verdadeiro temporal e dentro de portas um ambiente super aconchegante, iluminação mais que perfeita, uma comidinha de ir às lágrimas e umas vinhaças de se tirar o chapéu.

Pedro Moutinho e "amigos" (o pai, a mãe e a amiga Mónica) e o nosso querido Rogério dos "Boémia" que também abrilhantou a ala do Fado, cantando e encantando...


Ah fadista(s)! "

in http://tavernadostrovadores.blogspot.com/



segunda-feira, 2 de fevereiro de 2009

Tasca do Chico...como sempre como dantes!





Todas as 2ª, 4ª e 5ª feiras no Bairro Alto. Porta aberta a todos os que gostam de ouvir e de cantar o fado :)








O País Relativo

País por conhecer, por escrever, por ler...
País purista a prosear bonito, a versejar tão chique e tão pudico, enquanto a língua portuguesa se vai rindo, galhofeira, comigo.
País que me pede livros andejantes com o dedo, hirto, a correr as estantes.
País engravatado todo o ano e a assoar-se na gravata por engano.
País onde qualquer palerma diz, a afastar do busílis o nariz:- Não, não é para mim este país!

Mas quem é que baquestica sem lavar o sovaco que lhe dá o ar?
Entrincheiram-se, hostis, os mil narizes que há neste país.
País do cibinho mastigado devagarinho.
País amador do rapapé, do meter butes e do parlapié, que se espaneja, cobertas as miúdas, e as desleixa quando já ventrudas.
O incrível país da minha tia, trémulo de bondade e de alegria.
Moroso país da surda cólera, do repente que se quer feliz.
Já sabemos, país, que és um homenzinho...
País tunante que diz que passa a vida a meter entre parêmtesis a cedilha.
A damisela passeiano país da alcateia, tão exterior a si mesma que não é senão a fome com que este país a come.
País do eufemismo, à morte dia a dia pergunta mesureiro: - Como vai a vida?
País dos gigantones que passeiam a importância e o papelão, inaugurando esguichos no engonçodo gesto de nuvens ideia!
Corre, boleada, pelo azul, a frota de nuvens pelo país.
País desconfiado a reolhar por cima dum ombro que, com razão, duvida.
Este país, enquanto se alivia, manda-nos à mãe, à irmã, à tia, a nós e à tirania sem perder tempo nem caligrafia.
Nesta mosquitomaquia que é a vida, ó país, que parece comprida!
A Santa Paciência, país, a tua padroeira, já perde a paciência à nossa cabeceira.
País pobrete e nada alegrete, baú fechado com um aloquete, que entre dois sudários não contém senão a triste maçã do coração.
Que Santa Suplicanta nos confortena má vida, país, na boa morte!
País das troncas e de longas ao telefone com mil cavilhas para cada nome.
Da ramona, país, que de viagens tens, tão contrafeito...
Embezerra, país, que bem mereces, prepara, no mutismo, teus efes e teus erres.
Desaninhada a perdiz, não a discutas, país!

Espirra-lhe a morte pra cima com os dois canos do nariz!
Um país maluco de andorinhast esourando as nossas cabecinhas de enfermiços meninos, roda-viva em que entrássemos de corpo e alegria!
Estrela trepa, trepa pelo vento fagueiro e ao país que te espreita, vê lá se o vês inteiro.
Hexágono de papel que o meu pai pôs no ar, já o passo a meu filho, cansado de o olhar...
No suma pau seboso da terceira, contigo viajei, ó país por lavar, aturei-te o arroto, o pivete, a coceira, a conversa pancrácia e o jeito alvar.
Senhor do meu nariz, franzi-te a sobrancelha;entornado de sono, resvalaste pra mim. Mas também me ofereceste a cordial botelha, empinada que foi, tal e qual clarim!


Alexandre O'Neill, "Feira Cabisbaixa", 1965

domingo, 1 de fevereiro de 2009

Pensei um dia que podia mudar o mundo.
Enganei-me.
Quiseram saber de tudo, ouviram o que dizia. E depois…
Terminou.
Deixaram-me morrer como quem não vale mais que um fruto apodrecido.
Suspirei.
Diziam que era isso, um verme, daqueles que sonham.
Utopias.
E venci…ressuscitei da sombra que me cravava mais e mais no abismo dos dias.
Nasci.
Naquele dia em que os raios de sol teimaram em aquecer-me, vi-o.
Indefinido.
O traço vago na estrada de terra onde passavam carroças puxadas por cavalos.
Turistas.
Todos o somos, afinal. Mas só alguns o conseguem ver, ou talvez o queiram ver.
Num flash.
Olhei o caminho, fugi da rota que todos viam, concentrei-me no novo desafio.
Determinação.
Corri até à curva da estrada. Do outro lado estavas tu, a sorrir para mim, dizendo-me que afinal vale a pena.
Valeu.


Mónica Cunha




















sábado, 31 de janeiro de 2009

Mesa de Frades...porque aqui o Fado mora.




Vielas De Alfama


Horas mortas, noite escura,
Uma guitarra a trinar,
Uma mulher a cantar
O seu fado de amargura.

E através da vidraça
Enegrecida e rachada
Aquela voz magoada
Entristece a quem lá passa.
Vielas de alfama,
Ruas da Lisboa antiga,
Não há fado que não diga
Coisas do vosso passado.
Vielas de alfama,
Beijadas pelo luar,
Quem me dera lá morar
P'ra viver junto do fado.
A lua às vezes desperta
E apanha desprevenidas
Duas bocas muito unidas
Numa porta entreaberta.
E então a lua, corada,
Ciente da sua culpa,
Como quem pede desculpa,
Esconde-se envergonhada.

Max

sexta-feira, 30 de janeiro de 2009

Talvez pareça estranha a escolha deste poema para primeiro post mas... é assim, todo o começo tem um "FIM".

FIM
- Quando eu morrer batam em latas,
Rompam aos saltos e aos pinotes -
Façam estalar no ar chicotes,
Chamem palhaços e acrobatas.
Que o meu caixão vá sobre um burro
Ajaezado à Andaluza:
A um morto nada se recusa,
E eu quero por força ir de burro...
Mário de Sá-Carneiro